Apresentamos por ocasião do dia das Mulheres na Ciência um documento que foi objeto de nosso projeto “Mulheres na ciência e na saúde: digitalização e difusão dos arquivos pessoais de mulheres do acervo da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz”. Trata-se de um desenho de autoria da pesquisadora Dyrce Lacombe de Almeida, com 25,5cm de altura por 23,7cm de largura, que compõem o estudo anatômico e histológico de uma espécie de inseto da ordem dos embiópteros, de climas tropicais e subtropicais. A espécie em questão foi coletada por ela própria na Ilha do Governador, bairro da cidade do Rio de Janeiro. Esse tipo de estudo aborda as interações entre estruturas e tecidos, bem como suas funções e a organização celular de uma espécie, por exemplo.

O desenho exerce uma função primordial e não pode ser substituído pela fotografia, mesmo que esta resulte em maior rapidez e facilidade de elaboração, somente o desenho, por meio de técnicas específicas como o sombreado, pode evidenciar estruturas e formas que não estariam tão claras com a captura fotográfica. Assim, a ilustração científica é um tipo documental recorrente nos arquivos de cientistas e representativo do fazer ciência, sobretudo em áreas da biologia, como a entomologia e a botânica. É um recurso visual de representação figurativa fundamental na pesquisa e desenvolvimento científicos. Muito presente no dia a dia dos laboratórios do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), também faz parte da vida e trajetória de Dyrce Lacombe, pesquisadora nascida em 1932 no Rio de Janeiro.

Seu interesse pela ciência surgiu durante sua formação ainda no ginásio, sistema de ensino vigente no Brasil a época. Com suporte de Newton Dias dos Santos, seu professor no ensino secundário, ela participou do curso de extensão universitária em zoologia ministrado por ele no Museu Nacional e do curso de especialização em Entomologia Geral do IOC, ministrado pelo pesquisador Rudolf Barth antes mesmo de entrar na graduação. Dyrce fez parte da primeira geração de mulheres for¬madas nas faculdades de filosofia, ela se graduou como bacharel e licenciada em 1955 em História Natural pela Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) conciliando os estudos com o trabalho como estagiária no laboratório de Rudolf Barth. A partir desse momento, iniciou uma frutífera carreira de pesquisa junto ao pesquisador, trabalhando com anatomia e histologia de insetos, principalmente barbeiros.

Nos anos seguintes, manteve um vínculo com a atividade docente em diversas instituições e em 1960 ingressou nos quadros do IOC, primeiramente como bolsista do Conselho Nacional de Pesquisas e, depois, biologista e pesquisadora. Nessa fase, expandiu seu escopo de estudo para incluir crustáceos, com um interesse particular nos cirripédios (cracas), estabelecendo-se como uma autoridade reconhecida nesse campo. A carreira de Dyrce se destaca num cenário onde a atuação científica era predominantemente masculina e seu trabalho foi reconhecido pela comunidade científica brasileira em 1964, quando ela foi convidada a integrar a Academia Brasileira de Ciências. Dyrce desenvolveu uma ampla colaboração internacional: em 1967 recebeu convite do Osborn Laboratories of Marine Science (Nova York), para desenvolver pesquisas sobre os ciripédios e, em 1969, colaborou com a Califórnia Academy of Sciences na confecção de monografia sobre insetos da ordem Embioptera. Aposentou-se em 1991, mas permaneceu no IOC desenvolvendo suas pesquisas sobre cirripédios, embiópteros e histologia de barbeiros.

O projeto “Mulheres na ciência e na saúde: digitalização e difusão dos arquivos pessoais de mulheres do acervo da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz”, teve como objetivo dar maior visibilidade a esses arquivos e resultou na disponibilização on-line de mais de 4 mil documentos. Geralmente a digitalização privilegia acervos mais consultados e que estão relacionados a figuras consideradas de maior prestígio histórico. Assim os arquivos de mulheres seguem sendo pouco acessados e esquecidos, justamente por não serem objeto dessa atenção. A iniciativa do projeto procurou superar essa lógica que perpetua a invisibilidade das mulheres.

AUTORES DO TEXTO
Natalie Rickli Pimentel; Felipe Almeida Vieira

NOME DO PROJETO DA IBERARQUIVOS
Mulheres na ciência e na saúde: digitalização e difusão dos arquivos pessoais de mulheres do acervo da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

BibliografIa:
– LACOMBE, Dyrce. Anatomy and histology of Embolyntha batesi MacLahlan, 1877 (Embiidina). Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v.69, n.3, p.331-396, 1971. Disponível em https://cutt.ly/YwCczKcy. Acesso em: 20 jan. de 2024.
– Lacerda, Aline Lopes de; Lima, Ana Luce Girão Soares de; Vieira, Felipe Almeida; Lourenço, Francisco dos Santos; Marques, Regina Celie Simões. A imagem a serviço do conhecimento: a entomologia nas ilustrações do acervo histórico da Fiocruz. Rio de Janeiro: Fiocruz/COC, 2022. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/54874. Acesso em: 20 jan. de 2024.
– Oliveira, Ricardo Lourenço de; Conduru, Roberto. Nas frestas entre a ciência e a arte: uma série de ilustrações de barbeiros do Instituto Oswaldo Cruz. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.11, n.2, p.335-384, ago. 2004. Disponível em: https://cutt.ly/BwCcz6FO Acesso em: 20 jan. de 2024.
– Pereira, Rosa Maria Alves (org.). Ilustração zoológica. Belo Horizonte: Frente Verso, 2016.
– Rossi, D. S., Ferreira, L. O., & Azevedo, N. (2021). Sociabilidades intelectuais, mediação cultural e recrutamento de mulheres em instituições científicas no Rio de Janeiro (1940-1960). Estudos Ibero-Americanos, 47(3), e40388. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1980864x.2021.3.40388 Acesso em: 20 jan. de 2024.

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