Durante o processo de preservação e conservação das Histórias Clínicas, encontramos vários documentos de interesse. Em especial, apresentamos um que é fundamental para o nosso trabalho: as cartas que não foram enviadas.
Centenas de cartas escritas por pessoas que estavam hospitalizadas, para seus parentes, amigos, entes queridos, para o judiciário, para presidentes, etc. Elas têm um valor incalculável e inestimável, pois nos permitem conhecer os sentimentos, pensamentos e desejos das pessoas que estavam lá e o contexto político, social e cultural.

Essas cartas estão arquivadas, marcadas “para sua história”, nos Históricos Clínicos, o que significa que nunca chegaram ao seu destino. Entendemos que, em alguns casos, elas foram utilizadas como ferramenta de estudo das pessoas, uma forma de acessar, desrespeitosamente, seus sentimentos mais íntimos, subjugando toda intimidade. Outras são reclamações sobre o funcionamento do hospital, o tratamento, os tratamentos, cartas implorando para não receber “aquelas injeções que doem tanto”, denunciando a comida, a higiene etc.

É a história de pessoas que morreram ou sobreviveram a uma das piores instituições de confinamento, um manicômio. Acreditamos que recuperar e tornar acessíveis essas vozes silenciadas é um ato de reparação às vítimas do asilo e à memória de nossos povos.

Em particular, a que compartilhamos aqui mostra um eixo fundamental: as mulheres presas por seus maridos. Embora a carta seja datada de 1942, a senhora estava no Hospital desde 1937, tinha 36 anos, era de nacionalidade espanhola e, na época de sua internação, morava em uma cidade da província de Buenos Aires, a mais de 500 quilômetros do Hospital. Nessas cartas, ela escreveu para seus filhos, contando-lhes como se sentia mal no Hospital, bem como seus planos futuros de retornar à Espanha, já que a guerra havia terminado.

Ela também conta sobre as guerras que começaram na Argentina, escreve ao marido, em resposta à falta de respostas dele e ao seu desejo de se divorciar dele, dizendo-lhe: “Se na Argentina ainda não foi estabelecida a lei do divórcio, pelo menos haverá outra lei de proteção à mulher, porque é inconcebível que os hospitais para doenças mentais coloquem a má vontade dos maridos nas mãos dos maridos”. “Se os médicos lhe dizem que não estou bem o suficiente para ficar em minha casa, é porque há poucos médicos e se o senhor não vive bem comigo, deixando-me com meus filhos, cumpriu seu dever”.

AUTORA DO TEXTO
Camila Azzerboni, Pilar Arguiano, Marisol Salvador e Micaela Muñoz

NOME DO PROJETO DE IBERARQUIVOS

2021/008 Asylum and life histories: archival treatment of Clinical Histories of the Neuropsychiatric Hospital A. Korn for Direitos humanos, memória, saúde coletiva e promoção de garantias de não repetição de direitos violados.

Bibliografia:
– Memórias Hospitalares Dr. Alejandro Korn 1919

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